O Doce ABC e Tatuí: uma relação saborosa e de amplo retorno para todos
- Especiarias Revista
- 17 de nov. de 2021
- 6 min de leitura
Atualizado: 18 de nov. de 2021
Tradicional na região, derivado de receita caseira, o doce ABC é muito importante para movimentar a economia e a gastronomia de Tatuí

A Doceria Pingo Doce é a produtora do doce ABC mais conhecida da cidade atualmente
Foto: Deividy Venâncio
Belarmina de Campos Oliveira, este é o nome da mulher que há quase setenta anos, mais precisamente em 1952, revolucionou a culinária da cidade de Tatuí, no interior de São Paulo, ao criar o chamado “doce ABC” (abóbora, batata doce e cidra), em sua residência, sem qualquer pretensão comercial. Hoje, o município tem uma das feiras de doces mais importantes do estado, uma das docerias de maior relevância do interior e busca o reconhecimento de “Capital dos Doces Caseiros” pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). Tudo isso por causa da criação de Dona Belarmina.
“Ela fazia os doces em sua própria casa. Os amigos que vinham de São Paulo levavam doces para lá. Meu pai achou que o negócio era bom e começou a produzir também”, diz Antônio Rocha Lima Neto, proprietário da Doceria Pingo Doce, em Tatuí, em funcionamento desde 1967. Seu pai, Antônio Rocha Lima Filho, conhecido por todos como “Seu Toninho Tai”, foi quem iniciou os negócios da família com o doce ABC, mas anteriormente, ele já empreendia em uma sorveteria com sua esposa, em que tudo o que comercializavam era criado pela própria família. Dona Belarmina encerrou sua produção, cerca de quatro anos após o início dos trabalhos de Antônio, segundo relatos, por sua idade avançada.
“Ela [Belarmina] fazia os doces em sua própria casa, meu pai achou que o negócio era bom e começou a produzir também”. - Antônio Rocha Lima Neto
Além de “Seu Toninho Tai”, a criação de Dona Belarmina inspirou outras pessoas na produção de doces, como Lúcia Brandão, Celina Berti de Barros, Maria Antônia e muitos outros. Graças a isso, diversos outros doces começaram a ser produzidos em Tatuí: fios de ovos, bolos, cocadas, quindins, queijadinhas, bombocados, goiabadas, balas de coco e doces de compota, são apenas alguns dos exemplos.
Depois de décadas, o doce se tornou tão importante para o município, que em 2015, foi aprovada pelo poder legislativo da cidade, a Lei Municipal nº 4.972, que declarava o tradicional doce, como um “Patrimônio Cultural e Imaterial da Gastronomia Tatuiana”.
A produção dos doces, consiste praticamente na mesma receita criada há décadas por dona Belarmina, segundo os produtores do doce na cidade. Nela, os alimentos principais da receita – abóbora, batata doce e cidra – passam por diversos processos de produção, que duram mais de um dia, para enfim, chegar ao consumidor final. Nesses processos, os frutos são cortados e ralados, para então, serem misturados com os outros ingredientes em “tachos de inox”; em seguida, em outra máquina, os doces são moldados, ganhando o formato tradicional. Engana-se quem pensa que acabou, os doces ainda ficam horas em uma “estufa”, para secarem, para enfim estarem prontos para o consumo, com a textura já conhecida por todos: com uma espécie de “casca” crocante e o seu interior macio e suave.

Um dos processos de produção dos doces ABC, na fábrica da Doceria Pingo Doce, em Tatuí (SP)
Foto: Deividy Venâncio
Um fato curioso, citado por Luciano Rocha Lima – filho do proprietário da Doceria Pingo Doce, Antônio Rocha Lima Neto, que segue os passos do pai no empreendimento –, é que as vendas em sua loja, se concentram principalmente em um público que não pertence a cidade, o que corresponde a 90% das vendas. “São viajantes – beneficiados pela localização estratégica da loja, à beira da rodovia Antônio Romano Schincariol (SP-127); amantes do doce da região; e outros comerciantes de diversas localidades que adquirem os produtos para revender em suas cidades”, comenta.
Para Luciano, o motivo da população de Tatuí não ser a maior consumidora do doce no estabelecimento, que é um dos principais atrativos culturais da região, está vinculada a vários fatores. “Alguns amigos dizem que é longe”, diz ele, atribuindo o fato a localização atual da loja, que está a uma boa distância do centro da cidade, mas próxima a rodovia, favorecendo turistas que estejam de passagem pela rodovia.
Consultada sobre o assunto, a Secretária de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude da Prefeitura de Tatuí, diz que não pode analisar essa questão dessa forma, pois, para uma análise mais concisa essa pesquisa precisaria ser realizada em todas as docerias de Tatuí. “Entendemos que cada estabelecimento comercial possui seu mecanismo de marketing, publicidade e perfil de público a ser atingido, então somente baseado em uma doceria fica impossível apresentar qualquer argumento válido”, diz a nota assinada pelo turismólogo da Prefeitura, Rafael Halcsik Coutinho.

Luciano segue os passos do pai na produção de doces em Tatuí (SP)
Foto: Deividy Venâncio
O doce entre várias gerações
Apesar de existir a décadas, muitos jovens e adolescentes tem o costume de consumir o doce em Tatuí, seja por mero acaso, ou por já ter uma relação histórica com ele, que é o caso de Thainara Campos, 21. A jovem, adquiriu o costume de comer o doce com sua avó Maria Olinda Vieira dos Santos, 63, durante a infância, quando passava todo o seu dia com ela, enquanto seus pais trabalhavam.
“Ela [avó] desempenhou um papel muito importante na minha relação com o ABC, pois toda semana, logo que eu chegava em sua casa, ela já me dava uns dez doces; e eu ficava muito feliz com isso, em ver aquele olhar feliz que ela fazia enquanto eu comia os doces”, comenta a jovem.
Segundo ela, por meio da avó, toda a família adquiriu o costume de consumir o ABC, estando ele, presente em todos os encontros promovidos pela família há pelo menos uns 20 anos. “Tudo isso só foi possível, por causa do amor dela pelo doce”, conclui Thainara.
“Terra dos Doces Caseiros”
A importância do doce ABC para a cidade é tanta, que ele é um dos principais pilares do desejo do Município em se tornar “Capital dos Doces Caseiros”. Há um projeto de lei, que atualmente tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, para que isso se torne realidade.
Tudo começou com uma visita da deputada estadual, Damaris Costa (PSDB), no município, para um evento do Fundo Social de Solidariedade (Fusstat), em meados do mês de junho de 2021. Lá, o secretário de Esporte, Cultura, Turismo, Lazer e Juventude de Tatuí, Cassiano Sinisgalli, entregou a deputada um pedido, para que o município fosse reconhecido por Lei, como “Terra dos Doces Caseiros”. No dia seguinte à visita (17/06), a deputada já protocolou o Projeto de Lei, que foi postado do Diário Oficial da Casa Legislativa.

Antônio Rocha Lima Neto, deu sequência ao empreendimento de seu pai, que hoje é uma das principais docerias de Tatuí (SP)
Foto: Deividy Venâncio
Atualmente, segundo a Prefeitura, o Projeto depende do aval dos deputados estaduais, para se tornar lei ou não, estando ele, já aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Redação, sendo necessária a avaliação em outras Comissões – atualmente tramita na Comissão de Assuntos Metropolitanos e Municipais – para então, ser votado no Plenário da Casa.
Feira do Doce
Um dos maiores expoentes de exposição e venda para os produtores do doce ABC, é a Feira do Doce de Tatuí – realizada pela Prefeitura, em parceria com a Aprodoce (Associação dos Produtores de Doces de Tatuí) – que atrai milhares de turistas do Brasil e do exterior a cidade. Realizada anualmente no mês de julho, mais de 50 produtores de doces locais participam do evento, dos quais, grande parte produz o ABC.
A Feira do Doce é realizada desde 2013, desenvolvendo o turismo cultural e gastronômico do município. Ela é considerada o maior evento do segmento gastronômico doceiro do interior paulista, estando inclusa no Calendário Turístico do Estado de São Paulo, por meio da Lei Estadual nº 15.844/2015.
A última edição da Feira, que aconteceu em 2019 – suspensa desde então, em virtude da Pandemia da Covid-19 – movimentou, aproximadamente, R$ 840 mil, além de gerar 495 empregos, sendo 290 empregos diretos e 205 empregos indiretos. Segundo os dados da Prefeitura de Tatuí, mais de 348 mil doces foram comercializados nos quatro dias de evento.
SAIBA MAIS:
Confira um pouco da história da Pingo Doce:

Escrito por Deividy Venâncio
Sou estudante do 6° semestre de jornalismo, um entusiasta da profissão, principalmente na área esportiva, porém, estou sempre disposto e preparado para os desafios que a profissão nos apresenta.



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