O cliente sempre tem razão?
- Especiarias Revista
- 17 de nov. de 2021
- 3 min de leitura
Passar por humilhações se tornou parte da rotina de atendentes de restaurantes, bares e lanchonetes
“O cliente sempre tem razão”, frase ultrapassada, mas que ainda é repetida pela gerencia da grande maioria dos estabelecimentos. Entretanto, afirmar que um cliente sempre terá razão, implica, de certa forma, que se está sendo consentindo e apoiado a violação da moral de atendentes, que são obrigados a passar por situações constrangedoras e absurdas, em nome da boa conduta e da busca em manter a clientela.
Em entrevista com prestadores de serviço de restaurantes, bares e lanchonetes, é possível ter conhecimento de situações em que eles foram sujeitados e não puderam se posicionar. Um exemplo, é o que aconteceu com a Ana Laura Ferreira, 22, uma garçonete em restaurante de elite de Sorocaba, que ouviu de um cliente que não receberia os 10% pelo serviço prestado, por ela não fazer parte da refeição (frase dita de forma obscena e filtrada para vir à matéria). “Foi um dos momentos mais constrangedores que eu tive no (fala nome do estabelecimento em que trabalha)”, diz Ferreira ao relatar o acontecimento.
“Já insinuaram que eu poderia ganhar muito mais dinheiro usando o meu corpo”, conta Tainá Monteiro, 24, colega de trabalho de Ferreira. “Todas essas situações eram frequentes. Cada dia, era um dia que a gente levava ‘patada’, xingo por toda parte, independente se você não servia a mesa, era sua culpa.”, continua Monteiro. Apesar das situações extremamente constrangedoras, as garçonetes enfatizam que as instruções que recebem dos gerentes e do dono, é de que devem apenas permanecer em silêncio e se desculpar, mesmo que os atendentes não tenham culpa, pois a intenção é não perder o cliente. “Trabalhar com o público não é uma coisa fácil. E eu acho que não é todo mundo que consegue. Você vai ter que lidar com 80 personalidades diferentes por dia, porque ninguém é igual.”, conclui Ferreira.
Em contraponto, Henrique Bernardo, 20, que prestou serviço em uma panificadora de Sorocaba, pontuou que ao passar por situações humilhantes, teve o apoio dos gerentes. “Eles sempre entenderam muito nosso lado, sempre tentavam nos ajudar, sempre mesmo. Então, quando aconteciam essas situações, eles queriam saber o nosso lado.”. Bernardo continua explicando que, após conversar com os líderes, recebiam palavras de apoio e eram realocados de setor durante aquele dia.
A busca constante por uma explicação das atitudes arrogantes de clientes, nos levou até a psicóloga clínica, Ana Paula Carvalho, para que pudesse comentar sobre o assunto. “O perfil do agressor responsável é, primeiramente e geralmente, com uma posição financeira a cima de quem está lhe prestando serviços e o mais importante que vem acompanhado disso é o desequilíbrio psicológico que pode se enquadrar desde uma personalidade narcísica, auto afirmadora e insegura, até mesmo um grave transtorno de conduta muitas vezes velado e mascarado. Esses agressores geralmente possuem complexo de inferioridade consciente ou inconsciente e por isso abusam de uma posição entendida por eles mesmos como privilegiada com relação a vítima para descontar frustrações e conflitos internos. Pois constranger ou humilhar a outra pessoa é uma forma de satisfazer seus complexos, criando uma falsa sensação de superioridade. Entende-se então que o agressor precisa ferir ou humilhar a vítima para “dividir” enganosamente a sua bagagem mental e psicológica nada saudáveis.”, diz Carvalho.
Dessa forma, podemos compreender, que tais atitudes se explicam, mas de nenhuma forma são justificáveis. Portanto, já existem meios de buscar pelos direitos do funcionário, sendo possível denunciar por danos morais o cliente que pratica humilhações públicas e comentários desrespeitosos. Contudo, não são todos que possuem esse conhecimento, tornando-se, assim, responsabilidade dos superiores uma conduta correta e prestativa àqueles que lhes prestam serviço.
*Nome dos restaurantes e panificadoras não revelados a pedido dos funcionários. Por essa razão, não foram tiradas fotos, nem dos funcionários e nem dos estabelecimentos.

Escrito por Maria Fernanda Ragozzini
Estudante de jornalismo, organizadora de eventos e apaixonada por viagens, tem como objetivo seguir na área de reportagem social e turística. Sempre em busca da verdade e de histórias reais, gosta de ouvir o que as pessoas têm para contar. Advinda do interior de São Paulo, ainda carrega no coração as tradições que a cidade lhe concedeu.



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